O Viés (“Bias”) da Representatividade





(revisitando um artigo originalmente publicado em 2/09/2012)

Alguns anos atrás, em uma passagem por Buenos Ayres, fui à famosa e belíssima livraria Ateneo e comprei um livrinho chamado “El Azar en la Vida Cotidiana” de Alberto Rojo. Nesse livro, à página 134, o autor cita o seguinte experimento:

Uma cidade tem dois hospitais, em um deles nascem em média 45 bebês por dia e no outro nascem em média 15 bebês por dia. Os dois mantêm registros diários do percentual de nascimentos de homens e mulheres ao longo de um ano. Em sua opinião, qual dos dois hospitais registrou mais dias com nascimentos de mais de 60% de homens? (tradução livre minha)

Ao se deparar com essa pergunta, a intuição pode levar à seguinte reflexão: ora, por dia, a média mundial de nascimentos de homens e mulheres é de 50%-50%. Então, comparando o hospital em que nascem 45 bebês por dia com o que nascem 15 bebês por dia, o primeiro deve ter mais chances de ter tido mais dias ao longo do ano em que nasceram 60% ou mais de homens    ou seja, em que nasceram menos de 40% de mulheres. Certo?

Errado. 

É mais verossímil que tal discrepância tenha ocorrido no hospital onde nascem apenas 15 bebês por dia, em comparação com aquele onde nascem 45 bebês por dia. Isso se deve ao fato de que amostras menores têm variâncias maiores em torno da média (é possível demonstrar isso numa simples expressão matemática, mas aqui não vou entrar no mérito). O experimento acima foi primeiramente descrito por Daniel Kahneman e Amos Tversky  em um trabalho de 1974 denominado “Judgement under Uncertainty: heristics and biases”. Naquele trabalho eles chamam a atenção para um tipo comum de viés que apelidaram de “Insensibilidade para o Tamanho da Amostra”, que acomete a maioria das pessoas, mesmo as que são treinadas em Probabilidade e Estatística.

Aqui vale a pena comentar um pouco sobre Daniel Kahneman: por formação ele é psicólogo, mas ganhou um Prêmio Nobel em 2002 não em Psicologia, mas em Economia, pelos seus estudos sobre a maneira como as pessoas tomam decisões. Eu havia lido sobre Kahneman muitos anos atrás, primeiro através do famoso livro "Super Freakonomics" de Steven Levitt, depois pelo livro "Dance with Chance", de Spyros Makridakys et al., e por último pelo livro "Drunkard's Walk", de Leonard Mlodinow    estes dois últimos tiveram forte influência na minha vida, quase tanto quanto a obra "Gödel's Proof" (de Ernest Nagel et al). Mas minha atenção para Kahneman e Tversky teve seu ponto máximo durante uma disciplina que cursei em 2012 chamada "Decision Making under Uncertainty", cujo tema central foi a tomada de decisão baseada em modelos estatísticos. Para quem se interessa, além das acima citadas recomendo fortemente também as obras "Judgement under Uncertainty" e "Think, Fast and Slow", ambas de Kahneman.

Outro exemplo de viés citado por Kahneman no "Judgement under Uncertainty" é descrito no experimento a seguir, no qual várias pessoas são apresentadas à seguinte descrição e à seguinte pergunta:

Steve é muito tímido e retraído, invariavelmente cortês, mas com pouco interesse nas pessoas ou no mundo da realidade. Com espírito de humildade e organização, ele tem uma necessidade de ordem e estrutura, e uma paixão por detalhes. As chances são maiores de Steve ser um fazendeiro ou um bibliotecário?

E você que lê este artigo? Em sua opinião, qual é a maior chance?

Você levou em conta o fato de que no mundo existem muito mais fazendeiros do que bibliotecários? Para a maioria das pessoas pesquisadas no experimento, a resposta foi que a maior probabilidade é de que Steve seja um bibliotecário, embora a descrição dada nada tenha a ver com uma ou outra profissão, portanto não agrega informação alguma sobre qual a profissão de Steve. Por este motivo, a decisão deve se basear no tamanho da população; e como existem muito mais fazendeiros do que bibliotecários, a resposta deveria favorecer a profissão de fazendeiro. Esse viés é chamado de “viés da representatividade”. (E eu fico me perguntado: quantos preconceitos neste mundo não se baseiam no viés da representatividade?).

Os trabalhos de Kahneman e Tversky descrevem vários outros tipos de vieses. Em outros artigos discorrerei sobre alguns.

-x-x-



Comentários

  1. Mas, as pesquisas, independente da finalidade, elas usam amostras que representam um conjunto. Exemplo clássico, pode ser até tendencioso, as pesquisas eleitorais utilizam amostras de domicílios, enntão nessas pesquisas também representam esse "Viés da representatividade".

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    1. O que é popularmente conhecido como "pesquisa eleitoral" é uma amostra da população, que se fosse tomada de forma científica teria muito valor para estimar o resultado. Penso que o que degenera essas pesquisas, na maioria dos casos, não é o viés da representatividade, mas a forma como a amostra é selecionada: o processo de amostragem é que é enviesado. Claro, depois disso tem o aspecto psicológico (viés da representatividade, viés da disponibilidade, etc.), mas não creio que seja o maior "culpado" pela baixa qualidade da maioria dessas "pesquisas".

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